quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Os dois meninos

Os dois meninos
Ia um menino por uma estrada, cantando como os passarinhos que voavam de ramo em ramo, quando ouviu uma voz que chamava:
- Menino loiro que ides passando ao sol com tamanha pres­sa, por que não descansais? Vinde aqui um instante: tenho mel e bolos de farinha, e leite e dar-vos-ei tanto ouro quanto possa conter a bolsa que sobraçais.
- Eu vos agradeço, disse o me­nino loiro, mas, como as horas voam e já soou a sineta, não me posso de­ter um só instante.
- E aonde vos levam passos tão ligeiros?
- À escola.
- Bem feliz sou eu que vivo sobre moedas de ouro neste palácio de colunas de prata, cercado de gozos. Que me importa saber como nasce a planta, por que brilha a estrela, e o que houve dantes que me importa? Sei que tenho tesouros, escravos, leitos, fofos de penas onde me estiro preguiçosamente… que me importa o mais? Vais trabalhar tanto! … tenho pena de ti.
Anos depois, já moço, tomava o menino loiro a casa dos seus pais, quando, ao passar no antigo sítio onde outrora avultava o palácio, lembrou-se do menino que o chamava e pôs-se a procurar os muros fortes, mas só via urtigas e ruínas, erva brava e escombros e uma voz saiu dentre as ruínas:
- Esmola a um pobrezinho pelo amor de Deus! O moço loiro deu então com um homem alquebrado e envelhecido que estendia a mão trémula. Caridosamente deu uma moeda ao pobre e lembrou-se de perguntar pelo palácio que ali houvera em tempos.
- Ah! meu senhor, suspirou o infeliz. Quem o visse tão forte nas suas bases de granito e de mármore, não o julgaria tão fraco. Levaram-no as águas tumultuosas do rio num inverno, e todo o tesouro, que era grande, foi-se águas abaixo.
- E o menino que nele vivia, que é feito dele?
- Aqui o tendes, senhor, nesta miséria que vedes, sou eu mesmo. Vivo de esmolas, porque nada tenho e nada sei. Tudo quanto eu valia as águas levaram.
O moço loiro, ouvindo esses lamentos do infeliz, agradeceu no coração os cuidados paternos e bendisse as noites que passara debruçado à mesa dos estudos; caminhando dizia:
-     Ah! a fortuna que eu trago acumulada na cabeça, não a roubarão os ladrões, não a levarão torrentes, porque as suas bases são mais fortes de que o granito e o mármore. Pobre menino do palácio de ouro!
Coelho Neto

1 comentário:

  1. Uma grande lição de vida!
    A escola e o local para apreender... essa aprendizagem será, um dia, a vossa maior riqueza...
    Parabéns ao autor por esta grande lição de vida 👏👏

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